Não existe homenagem melhor que se possa fazer a uma pessoa do que lembrar sempre de suas palavras, ainda se estas, se tornaram ultrapassadas para o nosso tempo, coisa que acredito que não seja o caso das frases revoltadas de Renato Russo. Meu grande ídolo e principal inspirador de minhas obras.
Espero que estas palavras também se eternize em sua alma.
"Eu acho que essa discussão MPB versos rock é uma coisa duplamente ridícula, porque isso implica na ignorância do que é realmente o rock'n 'roll. Rock'n 'roll é uma música de jovens para jovens. Ao passo que a gente não pode chegar e dizer que a MPB é uma música de velhos para velhos porque isso é uma coisa ridícula (....)"
"Se um ator faz o papel de um assassino, ninguém vai achar que ele é um assassino. Agora, se um ator faz papel de gay, todo mundo vai achar que ele é. Tem alguma coisa errada... Isso me interessa profundamente. A humanidade é desumana, mas acho que ainda temos uma chance."
"Acredito que existem pessoas que gostam de usar drogas, gente que sente prazer com isso, mas elas devem ser uns 3% da população. Hoje em dia todo mundo usa e quer, porque não se tem saída para nada. (....)"
"Desde pequeno, eu sempre achei as drogas uma coisa super-romântica, um pouco como aquela música do Cazuza: 'todos os meus heróis morreram de overdose'. Mas ninguém mostra o lado ruim da coisa. Eu sei o que é ficar numa cama tremendo e tendo alucinações. É um horror. (...)"
"Não quero mais ficar usando drogas, a ponto de perder o fio da meada. É que nem doce: pode ser bom de vez em quando, mas o excesso é que te faz perder a cabeça. Tudo o que é excesso não presta, como excesso de discos vendidos e excesso de talento, que não é o meu caso. (...)"
"Camisinha sempre! (...) Ninguém sabe de onde veio esse vírus. A pessoa numa relação sexual tem que tomar cuidado com tudo. Senão, acaba pegando herpes, sífilis, gonorréia, hepatite. O que eu recomendo é o seguinte: sempre andar de camisinha. E, de preferência, camisinha importada."
"...Evitar que as pessoas passem pelo que passei: achar que era doente, estranho e que ia morrer e seguir direto para o inferno. (...)"
"Contrato de gravadora é que nem Fausto assinando com Mefistófeles: uma vírgula pode mudar tudo. Agora que o nosso contrato está acabando eles estão tratando a gente a pão-de-ló."
"Eu só queria saber o que o pessoal do rock-gospel acha de si mesmo. Eu queria realmente saber... Principalmente os metaleiros. Olha, eu tô comprando briga aqui. Não é pra Renato Russo comprar briga. Ele está escondido nas montanhas."
"... o vocalista aparece mais, mas às vezes as pessoas têm a impressão de que eu faço tudo. E eu não faço tudo, não. Tem músicas inteiras que o Dado me entrega a fita pronta, eu só coloco a letra."
"... Aqui no Brasil, nós somos alegres mas nós não somos felizes. Existe toda uma melancolia e uma saudade que a gente herdou dos portugueses e que a gente ainda nem começou a resolver. A gente não sabe o que é esse nosso país. (...)"
Palavras de Poeta são sempre atuais.
Renato Manfredini Junior nasceu no Rio de Janeiro em 27 de março de 1960, filho do economista Renato Manfredini, funcionário do Banco do Brasil e de Dona Maria do Carmo, professora de inglês. Ele aprendeu inglês desde pequeno, quando morou, dos 7 aos 10 anos, em Nova York.
Nova transferêcia do pai levou o menino, já com 13 anos, a Brasília que tanto marcou sua música.
Renato teve uma infância e adolescência de classe média alta, típica do pessoal das bandas de Brasília. Entre os 15 e os 17 anos enfrentou várias operações e viveu entre a cama e a cadeira de rodas, combatendo uma doença óssea rara chamada epifisiólise.
Em 78, inspirado pelo Sex Pistols, Renato formou o Aborto Elétrico, que no vai e vem de integrantes, contou com participações de Fê e Flavio Lemos (depois do Capital Inicial), Ico Ouro Preto e André Pretorius. Em 82 abandonou o Aborto Elétrico e passou a fazer trabalhos solos. Neste período ficou conhecido como "O Trovador Solitário".
Quando a lendária "cena de Brasília" já era uma força underground reconhecida, Renato Russo formou a Legião Urbana com Marcelo Bonfá, Eduardo Paraná e Paulo Paulista. Um ano depois, Paraná e Paulista deixavam a banda e entrava Dado Villa-Lobos.
Quando Renato Rocha se juntou a banda em 84, a Legião Urbana já havia se apresentado diversas vezes em Brasília, notadamente nos célebres shows no Circo Voador, no Rio de Janeiro e no Napalm, em São Paulo. O sucesso de seus shows levou rapidamente a um contrato com a EMI-Odeon. No primeiro dia do ano seguinte saiu o primeiro álbum, Legião Urbana, que emplacou os hits "Geração Coca-Cola", "Ainda é Cedo" e "Será".
Com seus refrões poderosos e letras que falavam de inseguranças emocionais e do niilismo da geração crescida durante o regime militar, a Legião Urbana bateu fundo nos anseios dos jovens brasileiros.
A receita foi aperfeiçoada no álbum seguinte, Dois, melhor tocado, melhor gravado e mais elaborado. Sucessos como "Eduardo e Mônica" e "Quase Sem Querer" falavam uma língua que qualquer jovem urbano brasileiro dos anos 80 podia entender e se identificar.
Dois consolidou Renato Russo como um dos maiores popstars do país. Já na turnê desse segundo disco, começou a aparecer o Renato Russo estrela: seus shows incluíam discursos pregadores (o adjetivo "messiânico" aparecia em nove entre dez matérias sobre o grupo) e um alto consumo de drogas e álcool.
Em 1987 sai terceiro álbum, Que País É Este, gerando hits como "Faroeste Caboclo", e mais uma turnê nacional abarrotada. Em 89, sai As Quatro Estações que inaugura a fase mais madura da banda, tanto no som, menos pop, como nas letras, abordando assuntos como AIDS e homossexualismo. Em "Meninos e Meninas" Renato sugere bissexualidade. Logo depois, numa história entrevista à revista Bizz, Renato confirmava o fato:
Nome: Renato Manfredini Junior
Apelido: Junior
Data e local do nascimento: 23/03/60, Rio de Janeiro
Mãe e Pai: Maria do Carmo e Renato
Irmãos: uma, Carmem Teresa Manfredini
Filho: Giuliano Manfredini
Signo: Áries
Formação: Jornalismo, em DF
Altura e Peso: 1,74m, 65 Kg
Algo no corpo o incomoda? "Minha saúde. Foram 15 anos de droga- adicção".
Parte do corpo de que mais gosta: "Cérebro. E também adoro as minhas mãos".
Cuidados com o corpo: "No momento, manter-me longe do alcoolismo já é um milagre".
A que horas dorme e acorda: "Vou dormir às sete da manhã e acordo meio-dia. De dia, não faço nada, porque o mundo está acontecendo".
Propriedades: "Só o meu apartamento".
Símbolo sexual: "O Leonardo, da seleção. Eu acho ele um gatinho".
Primeiro beijo: "Aos 9 anos, com a minha namorada nos EUA. Achei a coisa mais nojenta".
Primeira transa: "Foi num carro, aos 17"
Lugar mais esquesito onde fez amor: "Embaixo do telhado, no vão da caixa d'água"
Melhor lugar para fazer amor: "Um lugar onde a gente se sinta mais seguro".
Fantasia não realizada: "Ganhar o Oscar".
Homens são: "Bobos, que nem cachorro".
Mulheres são: "Misteriosas que nem gato".
O que te seduz? "Espírito, bondade, desejo".
O que te broxa? "Estupidez, pretensão".
Melhor cantada: "Do Scott, em Nova York, num bar gay. Vi aquele menino loirinho, cara de estivador, vindo na minha direção! Pedi um cigarro, ele disse: Não!. Saiu. Voltou com um maço novinho pra mim. Ficamos juntos dois anos".
Pior cantada: "Gosta de mulher mas também gosto de viado! Vá a merda!".
Última pessoa que levaria para cama: "Paulo Francis"
Maior maldade que já fez: "Não admitir que as pessoas se preocupavam comigo".
Maior mentira que já contou: "Só mentiras bobas. Aqui, eu não falei toda a verdade".
Arrependimento: "Não conhecer a programação dos doze passos na época do Scott".
Palavra preferida: "Essência".
Palavra que mais usa: "Eu".
Canção: "I Get Along Without You Very Well"
Compositor preferido: "Bob Dylan".
Livro: "Sonetos, Shakespeare".
V, lançado em 91, veio carregado de uma tristeza que refletia a instabilidade emocional-psicológica vivida por Renato. A turnê que se seguiu teve que ser interrompida devido ao seu precário estado de saúde.
O Descobrimento do Brasil, de 93, acabou sendo o último disco da banda (A Tempestade, é um disco solo de Renato com participações de Dado e Bonfá). A partir de Descobrimento, Renato deu vazão a seus projetos solo e lançou The Stonewall Celebration Concert e Equilíbrio Distante.
O primeiro, cantado em inglês, foi homenagem ao grande amor de sua vida que morreu de overdose. Renato faz então seu disco mais militante ao som o orgulho de ser gay, ao som de covers da Broadway e Madonna. Stonewall é o nome de um bar nova-iorquino onde, num célebre acontecimento em 69, gays se rebelaram contra a ação política. Equilíbrio Distante traz Renato interpretando canções de música italiana, uma das manias recentes do cantor.
Renato era HIV positivo desde 1990, mas nunca assumiu publicamente a doença. Desde a época de "Descobrimento do Brasil", Renato andava recluso e arredio e evitava a imprensa. As suspeitas se comprovaram em 11 de outubro de 1996 com sua morte por broncopneumopatia, septicemia e infecção urinária - consequências da AIDS -, pesando só 45 quilos.
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Ausência de velório, ausência de enterro, ausência de corpo. Renato Manfredini Jr. reservou seu derradeiro não para os ritos de despedida. Os anos haverão de criar uma mitologia a respeito. Renato Russo não morreu, dirão alguns, como já disseram de tantos outros. Afinal, Renato não estourou a cabeça como Kurt Cobain nem expôs sua luta perdida como Cazuza. Renato apenas morreu sua morte privada.
Os fãs haverão de sentir a falta de enterro, velório, cadáver... mas essa foi exatamente a opção de Renato.
Na televisão, não haverá imagens senão do passado, dos clips do Legião ou de sua carreira solo. Algumas entrevistas lá e cá com amigos, músicos, celebridades. E de resto, a Legião Urbana continuará prevalecendo. Como sempre prevaleceu.
Renato Manfredini se tornou em Russo, numa referência aos filósofos Jean-Jacques Rousseau e Bertrand Russel.
Pouco antes da gravação de "Legião Urbana", Renato tentara o suicídio cortando os pulsos e perdera parte dos movimentos nas mãos. Isso provocou a entrada de um quarto integrante no grupo, o baixista Renato Rocha, o "Negrette".
Renato Russo estava tentando conviver com a fama, e estava tendo problemas. O álcool, companheiro de sempre, se tornara mais assíduo. As drogas idem. E as letras de Renato começaram a caminhar em outra direção.
Renato se dava ao luxo de misturar Camões com o apóstolo São Paulo e ainda fazer boa música. Ou melhor, excelente música.
"As quatro estações" vendeu como água. De cara, foram 450 mil cópias, tiragem que dobraria anos depois e hoje chega a marca de 1,1 milhão, igualando o recorde de "Dois".
A partir do disco, e dos incidentes em Brasília, em 1988, quando um doente mental invadiu o palco, se pendurou nas costas de Renato e a Legião foi acusada de incitar a violência, o grupo começou a se afastar dos palcos. Em 1990, no mesmo dia da morte de Cazuza, eles deram talvez seu show mais memorável, no areal do Jockey Club Brasileiro.
E Renato Russo começou a ficar cada vez mais recluso.
Mas seu adeus viria mesmo com o Legião Urbana, no triste "A Tempestade ou o Livro dos Dias", o CD-quase-um-libretto, que mais uma vez, tal como "Dois", era para ser duplo mas não foi. A marcha fúnebre de Renato Russo está tocando nas rádios, seja nos versos de "A via láctea" ("quando tudo está perdido/sempre existe uma luz") ou "1º de julho" ("Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher..."). Até porque Renato escolheu morrer sem adeus. Recusou fãs chorando sobre o caixão, celebridades transitanto com olhar compungido, aquela fila anônima engarrafada no cemitério... recusou, em suma, seu último palco.
Assim, restará aos jornais colher depoimentos e falar do passado. As Redes de TV terão de mostrar clipes e trechos de Renato e do Legião. A gravadora ainda deverá lançar algum material inédito, até porque o Legião se esmerou em quase lançar discos duplos.
Mas isso tudo importa menos. A última mensagem de Renato Manfredini Jr. é exatamente sua morte privada. A imagem que ele deixa, ou fez questão de deixar, é a de um ídolo que literalmente se transforma em cinzas. Como ele mesmo disse: "Quero que as pessoas que se preocupam comigo se danem, quero que elas se preocupem com a minha música".
A Legião Urbana, enfim, sempre prevalece.
Morte de
Renato
nota de "O Globo"
O cantor e compositor Renato Russo, do grupo Legião Urbana, morreu na madrugada de hoje, à 1h, por infecção pulmonar. O músico deixou um bilhete para seus amigos de Brasíla, dizendo que queria que seu corpo fosse cremado e que não houvesse velório. A assessoria de imprensa da gravadora EMI-Odeon confirmou a notícia, mas não quis dar mais informações. Além das complicações pulmonares, o cantor estava com anemia profunda. Renato Russo será cremado hoje a tarde, no Cemitério do Caju.
A gravadora EMI Music divulgou há pouco uma nota lamentando a morte do cantor e compositor. Segue a íntegra da nota:
"Lamentamos profundamente a morte, ocorrida nesta madrugada, do nosso querido Renato Russo, cuja memória permanecerá viva na lembrança do povo, perpetuada que está em seu inesgotável talento e na beleza de suas obras e interpretações, que tivemos o privilégio de fixar para a eternidade. Mais do que um extraodinário artista, perdemos um grande companheiro e amigo.
Que Renato Russo descanse em paz. "
Discografia
Um (1984)
Dois (1986)
Que país é este? (1987)
As quatro estações (1989)
V (1991)
Músicas para acampamento (1993)
O descobrimento do Brasil (1993)
A tempestade ou o livro dos dias (1996)
Uma Outra Estação (1997)
Acústico MTV (1999)
Como é que se diz eu te amo? (2001)
Equilibrio Distante (1995)
The Stonewall Celebration Concert (1994)
O Último Solo (94/95/97)
Renato Russo - BIS (2000)
Os Barcos Por Renato Manfredini Junior
Você diz que tudo terminou você não quer mais o meu querer
Estamos medindo forças desiguais:
Qualquer um pode ver
Que só terminou pra você.
São só palavras: teço ensaio e cena
A cada ato enceno a diferença
Do que é amor ficou o seu retrato
A peça que interpreto
Um improviso insensato
Essa saudade eu sei de cor
sei o caminho dos barcos.
E ha muito estou alheio e quem me entende
Recebe o resto exato e tão pequeno:
E dor, se há - tentava. Ja não tento.
E ao transformar em dor o que é vaidadeEu faço da mentira, liberdade
E de qualquer quintal faço cidade
E inssisto que é virtude o que é entulho:
Baldio é o meu terreno e meu alarde.
Eu fico com saudade
Você com outro alguém
E você diz que tudo terminou
Mas qualquer um pode ver:
Só terminou pra você.
by Addo.